Tribunal Regional Eleitoral - DF
Secretaria Judiciária
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RESOLUÇÃO TRE-DF N. 7988, DE 20 DE ABRIL DE 2023.
PROCESSO : 0600041-79.2021.6.07.0000 PROCESSO ADMINISTRATIVO (Brasília - DF)
RELATOR : Relatoria Desembargador RENATO GUANABARA LEAL
FISCAL DA LEI : Ministério Público Eleitoral DF
REQUERENTE : TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO DISTRITO FEDERAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO DISTRITO FEDERAL
RESOLUÇÃO Nº 7988
PROCESSO ADMINISTRATIVO (1298) - 0600041-79.2021.6.07.0000
REQUERENTE: TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO DISTRITO FEDERAL
RELATOR: Desembargador Eleitoral RENATO GUANABARA LEAL
ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE. PAGAMENTO DE GRATIFICAÇÃO A MAGISTRADO. AUSÊNCIA ÀS SESSÕES DE JULGAMENTO PARA EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PÚBLICA. LEI Nº 8.350/1991. OBSERVÂNCIA DAS ORIENTAÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. ALTERAÇÃO DO ARTIGO 50 DO REGIMENTO INTERNO DESTE TRIBUNAL.
1. O artigo 1º da Lei 8.350/1991 não regulamenta as ausências justificadas às sessões de julgamento, mas apenas estipula o limite de sessões por mês que possam ser retribuídas. No vácuo legislativo, são válidas as disposições do RITREDF e da Resolução TSE nº 23.642/2021, que não conflitam com o disposto na referida lei.
2. Se é exigido do magistrado a realização de atividade pública que o impossibilita de estar presente à sessão de julgamento, mostra-se incongruente com o Direito o desempenho dessa atribuição sem a devida contraprestação, que caracteriza ilícita apropriação do serviço prestado. Nem dos servidores exige-se a prestação de serviço público gratuito, conforme dispõe o artigo 4º da Lei 8.112/1990.
3. O pagamento da gratificação de sessão nas hipóteses em que o Presidente ou outro membro, desde que autorizado pelo Tribunal, não comparecer à sessão por estar representando a Corte em solenidades e atos oficiais perante os demais Poderes e autoridades ou na hipótese em que o Corregedor Regional Eleitoral não comparecer em razão do desenvolvimento de atuação monocrática na Corregedoria não é incompatível com o artigo 1º da Lei nº 8.350/1991.
4. Acolhimento parcial da proposta, apenas para alterar a redação do artigo 50 do RITREDF.
Resolvem os desembargadores eleitorais do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal acolher em parte a proposta no sentido de alterar a redação do artigo 50 do RITREDF, nos termos do voto do eminente Relator. Decisão unânime.
Brasília/DF, 03/04/2023.
Desembargador Eleitoral RENATO GUANABARA LEAL DE ARAÚJO - RELATOR
RELATÓRIO
Cuida-se de processo administrativo que teve origem a partir de expediente da Secretaria de Gestão de Pessoas - SGP, que informou ter o Tribunal de Contas da União – TCU considerado "indevido o pagamento da gratificação de presença, prevista no art. 1º da Lei n. 8.350/91, a membros de Tribunal ou do Ministério Público, quando não houver o efetivo comparecimento às sessões” (Acórdão nº 1.906/2019-Plenário).
Esse julgamento da Corte de Contas decorreu de denúncia apresentada contra a edição da Resolução nº 1.061/2018 do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro – TRE/RJ, que alterou o artigo 159 da Resolução nº 895/2014-TRE/RJ, para permitir o pagamento de gratificação de presença nas hipóteses de ausências justificadas às sessões de julgamento:
"Art. 159. As gratificações a que fazem jus os membros do Tribunal e o Procurador Regional Eleitoral são devidas por sessão jurisdicional a que comparecerem, sendo, também, cabíveis nos seguintes casos de ausências justificadas nas sessões jurisdicionais deste Tribunal:
I - do Presidente, quando estiver representando o Tribunal nas solenidades e atos oficiais perante os demais Poderes e autoridades (Resolução TSE nº 20.785/2001);
II - do Vice-Presidente e Corregedor Regional Eleitoral, quando estiver representando o Tribunal, em razão de impedimento do Presidente, ou em virtude do desenvolvimento de atuação monocrática na Corregedoria (Resolução TSE nº 20.785/201 e Resolução TSE nº 14.494/1994, respectivamente);
III - de Membro, quando impossibilitados o Presidente e o Vice-Presidente e Corregedor Regional Eleitoral, e ao mesmo tempo autorizado pelo Tribunal, a representar a Corte nas solenidades e nos atos oficiais perante os demais Poderes e autoridades" (Resolução TSE nº 21.077/2002).”
Disposição semelhante consta em nosso Regimento Interno, que, em seu artigo 50, assim estabelece:
“Art. 50. Quando qualquer membro ou o Procurador Regional Eleitoral deixar de comparecer às sessões judiciais ou administrativas para representar o Tribunal ou o Ministério Público Eleitoral, fará jus à percepção da gratificação de presença.” (Res. 7731/2017-TRE/DF)
A Assessoria Jurídica e Administrativa – AJA desta Corte Eleitoral entendeu que “o art. 50 da Resolução TRE/DF nº 7731/2017 exorbitou o preceituado na Lei n. 8.350/1991 e na Resolução TSE n. 23.578/2018 ao estabelecer hipóteses de pagamento de gratificação de presença para situações de ausência justificada, quando qualquer membro ou o Procurador Regional Eleitoral deixar de comparecer às sessões judiciais ou administrativas para representar o Tribunal ou o Ministério Público Eleitoral.” (id 22995884, pp. 20-21).
O então Presidente da Corte, Desembargador Humberto Adjuto Ulhôa, acolhendo manifestação da Diretoria Geral, determinou a distribuição do processo “para fins de análise e deliberação acerca da proposta de revogação do art. 50 da Resolução TRE/DF nº 7731/2017 - Regimento Interno” (id. 22995884, p. 26), cabendo a mim a relatoria do feito.
Abri vista dos autos à douta Procuradoria Regional Eleitoral, que, no entanto, deixou de apresentar parecer, pois entendeu que se tratava de matéria interna corporis (id 23903834).
O Tribunal Superior Eleitoral – TSE considerou que o decidido pelo TCU não conflitava com o entendimento daquela Corte Superior e aprovou, por intermédio da Resolução TSE nº 23.642/2021, a inserção do §3º-A ao artigo 2º da Resolução TSE nº 23.578/2018. Eis a redação do dispositivo inserido:
“Art. 2º […]
§ 3°-A. A gratificação de presença não será devida em caso de ausência à sessão jurisdicional, exceto, mediante justificativa nas seguintes situações:
I - do Presidente quando estiver representando o Tribunal nas solenidades e atos oficiais perante os demais Poderes e autoridades (Resolução-TSE n° 20.785/2001);
II - do Corregedor EIeitoral em virtude do desenvolvimento de atuação monocrática na Corregedoria (Resolução TSE n° 14.494/1994);
III - de membro, quando impossibilitado o Presidente, representar a Corte nas solenidades e nos atos oficiais perante os demais Poderes e autoridades, desde que autorizado pelo Tribunal (Resolução-TSE n° 21.077/2002).”
Tendo em vista a edição dessa norma pela Corte Superior, determinei o retorno dos autos à Administração para apresentação de considerações que entendesse necessárias (id. 24464634).
Os autos foram encaminhados à AJA que ratificou o entendimento no sentido de que o artigo 50 do RITREDF deveria ser revogado (id 24575284).
É, em síntese, o relatório.
VOTO
Inicialmente, transcrevo o voto do Ministro Luís Roberto Barroso que conduziu a aprovação da Resolução TSE nº 23.642/2021:
“2. No dia 14.08.2019, o TCU, no processo n° 031.401/2018-0, julgou representação formulada contra Resolução do TRE/RJ que previa o pagamento da gratificação de presença a quaisquer membros daquele tribunal cuja ausência à sessão de julgamento fosse justificada. Na decisão, a Corte de Contas considerou indevido o pagamento da gratificação de presença, de forma indistinta, aos membros do Tribunal que não comparecessem às sessões.
3. O TRE/PB enviou ofício a este Tribunal Superior, indagando sobre a situação jurídica das Res.-TSE n° 14.494/1994, n° 20.785/1901 e n° 21.077/2002 em face do acórdão proferido pela Corte de Contas. Em tais resoluções, o TSE regulamentou as hipóteses que justificam o pagamento da gratificação de presença nos casos de alguns membros dos tribunais que não compareçam à sessão de julgamento em virtude do desempenho de atribuições especiais.
4. Como ressaltado nas informações da ASSEC, a “gratificação de presença devida aos membros dos tribunais eleitorais tem natureza propter laborem, ou seja, são pagas em decorrência de um serviço efetivamente prestado”. No entanto, esta Corte, em diversas oportunidades, foi provocada a se manifestar acerca da interpretação adequada do dispositivo legal nas situações em que o membro do tribunal se ausenta das sessões de julgamento em virtude de atividades inerentes à própria Justiça EIeitoral. […]
7. Portanto, do conjunto normativo exposto, extrai-se que a gratificação de presença somente é devida aos magistrados e membros do Ministério Público que efetivamente participam das sessões jurisdicionais (Res.-TSE n° 23.578/2019). As exceções a essa regra estão taxativamente previstas nos demais atos editados por este Tribunal, tendo por parâmetro o desempenho de atividades institucionais específicas, o que exclui a possibilidade de extensão indistinta do pagamento a todos os membros que justifiquem ausência
8. Dessa forma, ainda que não compareçam à sessão de julgamento, será devida a gratificação de presença nas seguintes hipóteses: (i) aos corregedores eleitorais, em virtude do “desenvolvimento de atuação monocrática nas corregedorias" (Res.-TSE n° 14.494/1994); (ii) ao presidente, em razão de estar representando o tribunal perante os demais poderes e autoridades (Res.-TSE n° 20.785/2001); e (iii) ao membro que, em substituição ao presidente. represente o tribunal em missão oficial (Res.-TSE n° 21 .077/2002).
9. Vê-se, no entanto, que a forma esparsa de tratamento da matéria é apta a causar dúvidas quanto aos critérios adotados e, eventualmente, equívocos na aplicação das normas. Tanto assim que, além do requerimento formulada pelo TRE/PB perante esta Corte, tem-se notícia de que o TRE/RJ e o TRE/AM já disciplinaram a matéria de modo diverso, resultando em questionamentos perante o TCU, nos processos TC n° 031.401/2018-0 e TC n° 015.540/2000-O. respectivamente.
10. Nos casos levados à apreciação daquela Corte de contas, assentou-se que o tratamento conferido pelo TSE aos corregedores é Iegítimo e não poderia ser estendido indistintamente aos demais membros do tribunal, por ausência de similitude fática que ensejasse o tratamento isonômico entre eles. Na Decisão n° 218/2001-Plenário, Rel. Min Benjamin Zymler, j. em 18.04.2001, o TCU reconheceu a peculiaridade das atribuições dos corregedores e assentou que elas são aptas a justificar o pagamento da gratificação de presença quando tais membros, em razão de suas atribuições específicas, se ausentassem das sessões de julgamento. Registro trecho do acórdão:
“9. No que se refere à alegação no sentido de que o princípio constitucional da isonomia ampararia o pagamento da gratificação aos demais magistrados, haja vista que ao corregedor seria devida a verba, cabe esclarecer que isonomia não significa conferir tratamento absolutamente idêntico a todas as pessoas. Isonomia significa tratar pessoas desiguais, de modo diferenciado, na medida de suas desigualdades. Não se pode pretender afirmar que os demais membros dos TREs exerçam funções idênticas ou semelhantes às do corregedor. Este, pela natureza do cargo, exerce atribuições muito peculiares e que demandam ausência freqüente às sessões. Note-se que esse foi o fundamento de que se valeu o Tribunal Superior Eleitoral para deferir o pagamento da gratificação de presença aos corregedores da Justiça Eleitoral mesmo quando ausentes às sessões. De acordo com esse entendimento, o TSE editou a Resolução n° 14.494/94, que defere o pagamento da verba exclusivamente aos corregedores, não alcançando os demais magistrados. Distintas as situações de fato e, por via de consequência, jurídicas, não há como pretender tratamento isonômico”.
11. Ressalte-se que as resoluções do TSE que estenderam a mesma garantia aos presidentes e membros que substituem o presidente, representando o tribunal em missões oficiais, são posteriores ao julgamento do tema pelo TCU. Não há, porém, qualquer divergência entre os fundamentos utilizados por esta Corte nas Resoluções nos 14.494/1994, 20.785/2001 e 21.077/2002 e o acórdão do TCU n° 1906/2019-Plenário, pois em todos os casos se reconheceu a possibilidade de tratamento diferenciado a membros que possuem atribuições especiais.”
Do referido voto, extrai-se que a Corte Superior Eleitoral levou em consideração as decisões do TCU sobre a aplicação o pagamento de gratificação de presença aos membros da Justiça Eleitoral, mas houve imprecisão quanto ao entendimento do TSE em relação ao posicionamento do controle externo sobre a matéria. É certo que na Decisão 218/2001-Plenário, o Min Benjamin Zymler, reconheceu que as atribuições dos corregedores eram diferenciadas, de modo que seria justificável o pagamento da gratificação de presença, porém, no Acórdão nº 1.906/2019-Plenário, a Corte de Contas deixou claro que é “indevido o pagamento da gratificação de presença, prevista no art. 1º da Lei n. 8.350/91, a membros de Tribunal ou do Ministério Público, quando não houver o efetivo comparecimento às sessões”.
O recente entendimento do TCU, portanto, não deixa margem de interpretação para o pagamento da gratificação se o membro não estiver presente à sessão de julgamento. É necessário ressaltar que o pronunciamento do controle externo ocorreu em razão da regulamentação do TRE/RJ que previa o pagamento da gratificação no caso de afastamento do presidente, do corregedor e dos membros, hipóteses semelhantes às disciplinadas pela Resolução TSE nº 23.642/2021.
Em que pese o fato de se constatar tal imprecisão no entendimento do TCU, tenho que a Resolução TSE nº 23.642/2021 não encerra ilegalidade.
Evidentemente, a lei, por sua generalidade, não consegue abarcar todas as situações encontradas pela Administração. Há muito já se abandonou a falsa percepção de que a norma legal encerraria todas as hipóteses fáticas e o administrador, no exercício de suas atribuições, acaba se deparando com situações não previstas pelo legislador. A conclusão óbvia é que perde força, no direito atual, o brocardo segundo o qual o administrador somente pode fazer aquilo que a lei permite.
O abandono da visão clássica do princípio da legalidade impôs ao aplicador do direito considerar não apenas a lei, mas também os princípios gerais de Direito, de modo que a atuação administrativa deve observar a equidade, a eficiência, a moralidade, a segurança jurídica e a proporcionalidade. Assim, fala-se em observância ao princípio da juridicidade, e não ao princípio da legalidade estrita para balizar as atuações administrativas.
Nesse sentido, destaco a doutrina de Rafael Carvalho Rezende Oliveira[1]:
"O princípio da supremacia da lei relaciona-se com a doutrina da negative Bindung (vinculação negativa), segundo a qual a lei representaria uma limitação para a atuação do administrador, de modo que, na ausência da lei, poderia ele atuar com maior liberdade para atender ao interesse público. Já o princípio da reserva da lei encontra-se inserido na doutrina da positive Bindung (vinculação positiva), que condiciona a validade da atuação dos agentes públicos à prévia autorização legal.
Atualmente, tem prevalecido, na doutrina clássica e na praxe jurídica brasileira, a ideia da vinculação positiva da Administração à lei. Vale dizer: a atuação do administrador depende de prévia habilitação legal para ser legítima. Na célebre lição de Hely Lopes Meirelles, apoiado em Guido Zanobini: “Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”.
Todavia, o princípio da legalidade deve ser reinterpretado a partir do fenômeno da constitucionalização do Direito Administrativo, com a relativização da concepção da vinculação positiva do administrador à lei.
Em primeiro lugar, não é possível conceber a atividade administrativa como mera executora mecânica da lei, sem qualquer papel criativo por parte do aplicador do Direito, sob pena de se tornar desnecessária a atividade regulamentar. A aplicação da lei, tanto pelo juiz como pela Administração Pública, depende de um processo criativo-interpretativo, sendo inviável a existência de lei exaustiva o bastante que dispense o papel criativo do operador do Direito. De fato, o que pode variar é o grau de liberdade conferida pela norma jurídica.
Ademais, com a crise da concepção liberal do princípio da legalidade e o advento do Pós-positivismo, a atuação administrativa deve ser pautada não apenas pelo cumprimento da lei, mas também pelo respeito aos princípios constitucionais, com o objetivo de efetivar os direitos fundamentais.
Assim, por exemplo, no tocante à “administração de prestações”, quando o Estado gera comodidades e utilidades para a coletividade, sem a necessidade do uso de sua autoridade (poder de império), bem como na atuação consensual da Administração, o princípio da legalidade deve ser compreendido na acepção da vinculação negativa.
A ausência de restrições aos direitos fundamentais e o próprio consenso do cidadão serviriam como fonte de legitimação para essa atuação pública, sem a necessidade de respaldo específico na lei, desde que respeitado o princípio da isonomia.
Desta forma, a legalidade não é o único parâmetro da ação estatal que deve se conformar às demais normas consagradas no ordenamento jurídico. A legalidade encontra-se inserida no denominado princípio da juridicidade que exige a submissão da atuação administrativa à lei e ao Direito (art. 2.º, parágrafo único, I, da Lei 9.784/1999). Em vez de simples adequação da atuação administrativa a uma lei específica, exige-se a compatibilidade dessa atuação com o chamado “bloco de legalidade”.
O princípio da juridicidade confere maior importância ao Direito como um todo, daí derivando a obrigação de se respeitar, inclusive, a noção de legitimidade do Direito. A atuação da Administração Pública deve nortear-se pela efetividade da Constituição e deve pautar-se pelos parâmetros da legalidade e da legitimidade, intrínsecos ao Estado Democrático de Direito.
A releitura da legalidade e a ascensão do princípio da juridicidade acarretam novos debates e a releitura de antigos dogmas do Direito Administrativo, tais como a discussão quanto à viabilidade da deslegalização, a relativização da impossibilidade de decretos autônomos, a ampliação do controle judicial da discricionariedade administrativa, a crítica à distinção entre ato vinculado e discricionário, entre outras questões.”
A respeito do tema, é oportuno trazer à colação julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, cujo voto-condutor foi o do eminente Desembargador Federal João Batista Moreira. No caso julgado por aquela Corte discutia-se a possibilidade de uma servidora da Justiça Federal exercer a advocacia pública por ter sido cedida para a Procuradoria Fiscal do Estado do Amapá. Nos termos da Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB), a advocacia é incompatível com o exercício de cargo de servidor do Poder Judiciário, mas, em observância ao princípio da juridicidade, a Justiça Federal reconheceu o direito da servidora. Eis a ementa do julgado:
"DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDORA DA JUSTIÇA FEDERAL. AFASTAMENTO TEMPORÁRIO. OBJETIVO DE EXERCER ADVOCACIA PÚBLICA (CARGO EM COMISSÃO DE CHEFE DA PROCURADORIA FISCAL DO ESTADO DO AMAPÁ). INCOMPATIBILIDADE PREVISTA NO ART. 28, IV, E § 1º DO ESTATUTO DA OAB. INAPLICABILIDADE.
1. “As leis são feitas para aquilo que normalmente acontece” (José Souto Maior Borges). Por isso, não significa negativa de vigência deixar de aplicar dispositivo legal a determinado caso, em face de suas peculiaridades.
2. Simplesmente não se aplica o disposto no art. 28, IV, e § 1º da Lei n. 8.906/94 à situação de servidora da Justiça Federal que se afasta temporariamente para exercer o cargo em comissão de Chefe da Procuradoria Fiscal do Estado do Amapá.
3. Inexiste, na hipótese, risco de “tráfico de influência”, uma vez que a servidora irá exercer advocacia pública, com exclusividade.
4. O princípio da legalidade adquire, atualmente, compreensão mais ampla, para significar princípio da constitucionalidade (Juarez Freitas), princípio da legitimidade (Diogo de Figueiredo Moreira Neto) ou princípio da juridicidade (Eduardo Soto Kloss), de modo a fazer prevalecer o fim do Direito (a justiça) sobre a literalidade da lei."
(TRF da 1ª Região – Apelação em Mandado de Segurança 0062605-17.2000.4.01.0000, 5ª Turma, Relator para Acórdão Des. João Batista Gomes Moreira, DJ de 12/07/2002, p. 147)
No caso dos autos, o artigo 1º da Lei 8.350/1991 estabelece que é devida “a gratificação de presença dos membros dos Tribunais Federais, por sessão a que compareçam, até o máximo de oito por mês”. Percebe-se, sem maior esforço interpretativo, que a norma não regulamenta as ausências justificadas às sessões de julgamento, mas apenas estipula o limite de sessões por mês que possam ser retribuídas.
Desse modo, entendo que, no vácuo legislativo, são válidas as disposições do RITREDF e da Resolução TSE nº 23.642/2021 que não conflitam com o disposto no artigo 1º Lei 8.350/1991. Como é sabido, as regulamentações autônomas conferem poder à Administração para normatizar as situações que se apresentam diante da omissão legislativa. Nesse sentido, é que o Supremo Tribunal Federal na ADC 12 considerou constitucional a Resolução nº 07/2005 do CNJ, a qual vedou a prática de nepotismo no âmbito do Poder Judiciário, ainda que não houvesse lei específica regulamentando a matéria.
É preciso ressaltar que as ausências às sessões de julgamento, como regulamentado pela Justiça Eleitoral, referem-se a hipóteses em que os magistrados desempenham funções públicas. Evidentemente, se é exigido do magistrado a realização de atividade pública que o impossibilita de estar presente à sessão de julgamento, mostra-se incongruente com o Direito o desempenho dessa atribuição sem a devida contraprestação. Isso, com a máxima vênia, caracteriza ilícita apropriação do serviço prestado. Nem dos servidores exige-se a prestação de serviço público gratuito, conforme dispõe o artigo 4º da Lei 8.112/1990.
Assim, entendo que não é o caso de revogação do artigo 50 do Regimento Interno desta Corte Eleitoral, mas de sua retificação para adotar a mesma redação da Resolução TSE nº 23.642/2021, que entendeu ser compatível com o artigo 1º da Lei nº 8.350/1991, o pagamento da gratificação diante da ausência justificada dos membros daquela Corte (TSE), nas hipóteses do §3º-A da referida resolução:
"§3º-A. A gratificação de presença não será devida em caso de ausência à sessão jurisdicional, exceto, mediante justificativa, nas seguintes situações:
I - do Presidente, quando estiver representando o Tribunal nas solenidades e atos oficiais perante os demais Poderes e autoridades (Resolução-TSE nº 20.785/2001) ;
II - do Corregedor Eleitoral, em virtude do desenvolvimento de atuação monocrática na Corregedoria (Resolução-TSE nº 14.494/1994) ;
III - de membro, quando, impossibilitado o Presidente, representar a Corte nas solenidades e nos atos oficiais perante os demais Poderes e autoridades, desde que autorizado pelo Tribunal (Resolução-TSE nº 21.077/2002)".
Isso porque a Resolução nº 23.642/2021 do TSE é posterior ao julgamento do Tribunal de Contas da União que apreciou o dispositivo do Regimento Interno do TRE/RJ e levou em consideração a referida decisão para entender que as situações acima elencadas são compatíveis com a norma de regência (Lei nº 8.350/1991).
Ante todo o exposto, voto no sentido de que a Corte acolha em parte a proposta da Presidência no sentido de alterar a redação do artigo 50 do RITREDF, passando-se a adotar o seguinte texto:
"Artigo 50. A gratificação de presença não será devida em caso de ausência à sessão jurisdicional, exceto, mediante justificativa, nas seguintes situações:
I - do Presidente, quanto estiver representando o Tribunal nas solenidades e atos oficiais perante os demais Poderes e autoridades;
II - do Corregedor Eleitoral, em virtude do desenvolvimento de atuação monocrática na Corregedoria;
III - de membro, quando, impossibilitado o Presidente, representar a Corte nas solenidades e nos atos oficiais perante os demais Poderes e autoridades, desde que autorizado pelo Tribunal."
É como voto.
DECISÃO
Acolher em parte a proposta no sentido de alterar a redação do artigo 50 do RITREDF, nos termos do voto do eminente Relator. Decisão unânime. Brasília/DF, 03/04/2023.
Participantes da sessão:
Desembargador Eleitoral Roberval Belinati - Presidente
Desembargador Eleitoral Mário-Zam Belmiro Rosa
Desembargador Eleitoral Renato Guanabara Leal
Desembargador Eleitoral Renato Gustavo Coelho
Desembargador Eleitoral Robson Barbosa
Desembargador Eleitoral Souza Prudente
Desembargador Eleitoral Demétrius Gomes Cavalcanti
[1] Curso de direito administrativo. 6ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018, pp. 81/82
Este texto não substitui o publicado no DJE-TREDF, n. 69, de 20.4.2023, p. 50-56.